quinta-feira, 23 de junho de 2011

Encontros étnicos e visuais: filme sobre os Tremembé abre o festival Jericoacoara Cinema Digital

Matéria publicada no Diário do Nordeste em 19/06/2011.



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Comunidade indígena Tremembé é tema de documentário homenageado


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O cineasta Philipi Bezerra recebeu do coordenador Francis Vale, na noite de abertura, o Troféu Pedra Furada, pelo documentário Espelho Nativo, exibido na ocasião
FOTO: MARCELLO HOLANDA
 
A 2ª edição do Festival Jericoacoara - Cinema Digital começa com debate e exibição de filmes acerca da diversidade brasileira e da importância da imagem diante dessa cultura plural
O cinema como espaço de encontros, de congregação. Assim se pode resumir a noite de início do II Festival Jericoacoara - Cinema Digital e o que se promete para os próximos dias. Durante a abertura, ocorrida no último dia 15, foi exibido o curta-metragem do brasiliense Philipi Bezerra, "Espelho Nativo", premiado no Doc.TV. O documentário de 52 minutos é um registro de cinco anos de vivências e quatro meses de filmagens na comunidade dos índios Tremembé, no Ceará.

Nativo
Philipi veio ao Ceará muito novo e aqui empreendeu diversas viagens, conhecendo sertão e litoral. "Desde o princípio notei como a cultura cearense era repleta de elementos indígenas, até mesmo os traços físicos. Isso me chamou a atenção e comecei a pesquisar sobre as comunidades indígenas cearenses", explicou o cineasta. Philipi esteve com Pitaguaris, Jenipapo-Kanindés, mas foi com o Tremembés que se identificou mais profundamente. "Nos dois primeiros anos de pesquisa, visitei os lugares e fotografei bastante. No terceiro e no quarto ano li muito, reuni uma boa bibliografia para então, no quinto e último desenvolver um texto, quase monográfico. De ensaio antropológico. No fim consegui formulá-lo para que fosse audiovisual, um roteiro mesmo", detalha Philipi. Foi esse o texto inscrito no Doc. TV, da TV Cultura. Segundo ele, a vantagem da conquista do apoio é mesclada a algumas desvantagens, como prazos e especificações, que, de certa forma, emolduram o trabalho.

Um dos méritos da produção de Philipi é que, apesar das limitações, pode-se dizer que o filme foi desenvolvido de forma participativa, com as opiniões e sugestões dos próprios nativos. "Com o tempo, a câmera deixou de ser uma preocupação só minha, um instrumento só meu, para ser uma ferramenta de construção de algo coletivo. Eles foram me dizendo: ´Vamos ali filmar a senhora de 102 anos, a mais velha da comunidade´ ou ´Hoje nós vamos capinar as terras originais da tribo, filma lá...´. Eles indicaram muitas imagens", comenta.

Como era de se esperar, a natureza teve papel crucial na produção e as chuvas torrenciais do inverno de 2009 também interferiram no produto final. Para ele, a quantidade de material recolhido e, sobretudo, a complexidade desse universo rendem, certamente, um longa e essa é a sua proposta. "Filmamos nos meses de janeiro e fevereiro, período meio atípico para eles; queremos agora fazer umas imagens em outubro, tempo do caju, em que a pesca para um pouco e eles se voltam mais para celebrar a terra", acrescenta o diretor.

Festival
Philipi, que tem uma ilha de edição pertinho de Jeri, ficou feliz com a iniciativa de um festival litorâneo. "Esse lugar tem um grande potencial turístico, natural, mas cultural nem tanto. É de uma sagacidade interessante fazer um evento, assim, aberto, democrático. Lembra um pouco o festival de Tiradentes", avalia.

O diretor elogiou ainda a exibição na cerimônia de abertura, que, de fato, deu uma mostra do clima fraterno dos próximos dias.

Após a exibição de "Espelho Nativo", já acompanhado por moradores, que se aproximaram curiosos da tenda do Circo Jeri, os tremembés convidados presentearam a todos com a dança do Torem. E, ali mesmo, durante a execução, crianças nativas tocavam os índios, pulavam, entravam na roda, enquanto adultos também se identificavam com a tradição. "Haviam também comunidades de Tremembés aqui em Jeri, então os nativos ficaram muito emocionados em ver e perceber que se tratava de seu passado, de uma tradição da terra", apontou o produtor cultural e cineasta Francis Vale, coordenador do evento.

Segundo ele, trazer o novo cinema brasileiro é um agradável desafio para Jeri. "O que temos aqui é um paraíso ecológico, um lugar bonito e isolado, em que grande parte das pessoas nunca viu cinema realmente. Apenas o que se vê pela televisão que, na verdade, é muito mais internacional do que nacional", analisa Francis, que destaca a importância de, por exemplo, se poder exibir o filme "Raízes do Brasil - Uma Cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda", de Nelson Pereira dos Santos. "Você pode perceber que há aí uma harmonia entre os vídeos selecionados. Nelson discute as ancestralidades, a cultura, a etnia, religiosidade e relação com a natureza, e Philipi também. Muitas outras produções também seguem essa linha", arremata o coordenador.

O II Festival Jericoacoara - Cinema Digital segue até o dia 21 de junho, exibindo um total de 50 filmes, de até 15 minutos de duração, produzidos com tecnologia digital, e selecionados em meio a 218 obras inscritas. Tais produções compõem a Mostras Informativa, cujo objetivo é gerar debates posteriores, e a Competitiva, em que os filmes concorrem a troféus e um prêmio de R$ 5 mil reais.

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